baretos

27-07-2012 13:12

Barretos, 50 anos
A maior festa de peão do Brasil chega ao
cinqüentenário e mostra a força de uma indústria que movimenta US$ 2 bilhões por ano em todo o País

fabiane stefano e daniel wainstein (fotos), de barretos

Oito segundos. Esse é o tempo máximo que um peão precisa se manter em cima do touro em um rodeio. Boa parte das vezes, em uma fração desse tempo, o competidor já alcançou o chão. Ao longo da história da Festa do Peão de Boiadeiro de Barretos milhares de desafiantes enfrentaram o ritual do brete, lutando com animais furiosos. A grande maioria saiu perdedora da arena. Poucos conquistaram a fama. E apenas alguns acumularam fortunas. O rodeio mais famoso do Brasil, por exemplo, está completando 50 anos sem cair do lombo do touro. Seu sucesso nesses anos se espalhou pelo interior do País e gerou o surgimento de uma indústria que movimenta US$ 2 bilhões nas mais de 1,2 mil festas de peões nacionais. Sozinho, o evento de Barretos gira R$ 200 milhões na economia da região. No caixa do Clube Os Independentes, os promotores do rodeio, vão tilintar R$ 13 milhões durante os 18 dias de festa, que em 2005 vai de 11 a 28 de agosto. E pelo menos 1 milhão de pessoas devem lotar o Parque do Peão. “Aqui em Barretos, a nossa safra é em agosto”, diz Jerônimo Muzetti, presidente da festa.

Segura peão: A arena de Barretos (acima) foi projetada por Niemeyer. Na festa de 2005, entrarão nela 700 animais contratados para competir em cerca de 200 montarias. Os prêmios vão somar quase R$ 500 mil

Há um bom tempo o Brasil já descobriu que Barretos é um bom negócio. No começo dos anos 90, o evento começou a ser profissionalizado. Os Independentes tinham o recém construído Parque do Peão de 1,2 milhão metros quadrados, cuja arena foi projeta por Oscar Niemeyer, e uma aposta que aquele mundo de botas e calças apertadas iria seduzir o povo da cidade. Hoje, a festa se tornou uma mina de dinheiro. Segundo maior evento do País, perde apenas para o Carnaval do Rio de Janeiro, o rodeio de Barretos figura entre os maiores do mundo. Apenas o faturamento com as cotas de patrocínio devem render R$ 8 milhões aos Independentes. Empresas como Brahma, Souza Cruz, GM, Bayer e frigoríficos Friboi e Minerva são os patrocinadores oficiais do evento em 2005. “As empresas querem se aproximar e associar suas marcas às paixões das pessoas”, diz Susan Betts, diretora de estratégia da Future Brands. Isso ocorre justamente em um momento que o agronegócio desponta na economia nacional. Ou seja: todo mundo quer pegar carona no campo. No começo de julho, por exemplo, executivos da Gol visitavam o Parque do Peão para propor uma parceria. As rotas aéreas que ligam São Paulo a São José do Rio Preto seriam desviadas para a capital dos rodeios. O canal Sport TV está lançando um serviço pay-per-view só com rodeios. Um impulso extra está vindo da Rede Globo. A novela América trouxe o universo do peão de boiadeiro para o horário nobre. É também a primeira vez que a Festa do Peão licencia artigos com sua chancela, que vão de molho de tomate, louças, roupas e até ring tones, os toques personalizados para celulares. Mais de 150 produtos foram lançados com a marca do rodeio. As Casas Pernambucas compraram o direito de produzir uma linha de roupas, acessórios, cama, mesa e banho com a marca de Barretos pelos próximos dois anos. A estimativa é que os royalties pelo licenciamento gerem cerca de R$ 400 mil no primeiro ano. “Essa é uma receita nova e com uma vida útil maior para o clube”, explica Celso Rodrigues, da CR Licenciamento, empresa que representa a marca. Outro lançamento a reboque do cinqüentenário é um projeto de hotel fazenda a ser construído dentro da área do Parque do Peão. O empreendimento com 600 apartamentos deve sair do papel até o fim do ano.

O fato é que a economia dos rodeios vai além de marcas e produtos. Existe uma parte da roda que movimenta Barretos que passa boa parte do tempo anônima. São aqueles que fazem a arena tremer. Os chamados tropeiros, os donos dos touros que competem nas provas, viajam todo o País para participar dos eventos. Em Barretos, cerca de 700 animais serão contratados para 200 montarias. “Na hora da prova, escolhemos os melhores touros para entrar na arena”, diz o tropeiro José Oger Neto, que deve levar 70 dos seus 90 animais para a festa. Há 16 anos no ramo dos rodeios, Neto percorre 80 festas por ano em todo o País, faturando cerca de R$ 350 mil com a atividade. “Toda hora aparecem rodeios novos”, explica o agropecuarista, que além da criação de touros, investe em cana-de-açúcar em União Paulista, noroeste de São Paulo. É na cidade que ele mantém uma espécie de centro de treinamento para os touros, que são “ensinados” a dar coices.

Os pioneiros: Fundadores da festa do peão em frente ao primeiro recinto de rodeios

De lá, saiu um ilustre animal: o touro Bandido (leia quadro na página 49). Mas as estrelas de verdade são os peões. Tratados como atletas, os Ronaldinhos das arenas podem fazer fortuna sobre o lombo de um touro. Em geral, são jovens criados em fazendas que transformaram a lida diária do gado em esporte. O paranaense Fabiano Vieira, de 22 anos, é um deles. Peão de boiadeiro há 3 anos, Vieira já acumula R$ 150 mil em prêmios. No ano passado, ganhou a principal prova em Barretos e virou celebridade. Com o dinheiro conquistado, já comprou uma chácara e pretende formar um rebanho de gado leiteiro. “A vida de peão é formar um pé de meia”, diz o atleta, que sonha em se tornar uma celebridade como Adriano Moraes e Edgar Lázaro, peões milionários que fizeram fama nos EUA. É essa exacerbada influência do estilo country americano que irrita os que defendem o tradicional modelo de rodeio. “Está tudo muito americanizado”, diz Agnaldo de Góes, antigo dono de comitiva.

Consumo country: Rosane Polizelli é dona de loja especializada em moda rural. A Chapéus Barretos está com a produção esgotada

A origem do rodeio de Barretos está justamente nesse antigo meio de transporte dos rebanhos de corte, que cruzavam estados para entregar o boi na porta do frigorífico. A cidade, então tradicional região de abate, era conhecida como fim de linha para tropas de todo o País. Elas traziam os animais que seriam abatidos no antigo Frigorífico Anglo, hoje de propriedade do grupo Bertin. Entre a chegada e a saída das comitivas, o dono da tropa apostava que o peão mais duro não domava seu animal mais feroz. A brincadeira foi encampada por um grupo de jovens abastados de Barretos. Ali nascia o Clube Os Independentes, cujas regras machistas perduram até hoje. Apenas homens solteiros da cidade, independentes financeiramente e com mais de 22 anos de idade podiam ingressar na agremiação. “Mulher não entra, mas hoje os homens já podem se casar”, conta José Sebastião, o Zequinha, de 77 anos, um dos fundadores do clube que conta com menos de 100 sócios. Na verdade, o aspirante a independente trabalha por um bom tempo como voluntário até ser admitido no clube. A vantagem: virar um fornecedor preferencial da engrenagem da festa. Vários independentes têm empresas contratadas pelo evento. Mas para os pioneiros, muito pouco mudou nesses 50 anos de rodeio. “A festa é a mesma. Só mudou de tamanho”, diz Horácio Avezedo, de 75 anos.

Estilo rodeio: Marcelo Ortale cria alta costura para as rainhas e princesas da festa

A festa de Barretos também deu origem a uma pequena indústria da cultura country. Na cidade, há pequenas fábricas que produzem chapéus, botas, esporas, e toda a sorte de artigos relacionados ao mundo dos rodeios. Segundo um levantamento do Os Independentes, o faturamento das empresas locais cresce 2,5 vezes por dia na época da festa, assim como a oferta de empregos. A pequena fábrica de Chapéus Barretos já está com toda a produção comprometida às vésperas do rodeio. A empresária Rosane Polizelli, da loja Western, prepara seus estoques para os dias de festa. A aposta da temporada: botas de avestruz que custam R$ 1,5 mil. Outro item disputado deve ser o chapéu de pêlo de castor que sai por R$ 1,3 mil. Até um estilista especializado em alta costura country surgiu em Barretos. Marcelo Ortale veste as rainhas e princesas das principais festas de peão do Brasil. Definitivamente, essa é uma moda que agarrou o brasileiro pelo coração.

Malhação animal: O touro faz natação duas vezes por semana
Bandido o dono da festa

O touro mais temido do Brasil recebe tratamento de celebridade e vale mais de R$ 500 mil

lívia andrade

Quem ouve falar do dia-a-dia do Boi Bandido, pode pensar que se trata de uma pessoa. Sim, o touro tem um tratamento que remete à rotina de grandes estrelas. Duas vezes por semana, pratica natação em uma piscina artificial, e tem o casco feito por um veterinário. Além disso, tem uma alimentação toda balanceada, com supervisão de nutricionistas. Bandido ganhou até uma ração especial que, segundo Paulo Emílio Marques, dono do animal e proprietário da companhia de rodeio que leva o seu nome, é uma das respostas a sua ótima performance nos palcos de rodeio. Ele come diariamente cerca de 50 quilos de ração e silo.

A fama do touro de cara branca, olhos negros e corpo marrom, no entanto, se deve ao comportamento arredio e índole má. Paulo Emílio conta que, desde pequeno, Bandido arranjava confusão. “Não parava de pular um segundo e invocava com os animais ao seu redor”, relata. Tanta agitação fez Paulo Emílio lançar uma disputa com o boi: o Desafio o Touro Bandido, lançado em 2003. De lá para cá, mais de 200 peões já encararam o boi, mas nenhum conseguiu ficar 8 segundos em cima da fera. O peão que agüentou mais tempo (5,4 segundos) foi Neyliowan Mulinari Tomazelli, no rodeio de Barretos, em 2003.

Com esse histórico, o touro saiu da esfera animal e ganhou status de celebridade com site próprio (www.tourobandido.com.br), inúmeros fãs no orkut, vários produtos licenciados com o seu nome e uma carreta com amortecedores especiais para lhe garantir um transporte mais confortável. No entanto, o touro que se tornou conhecido por seu desempenho na arena está proibido de participar de competições até novembro. Isso por conta das gravações de América, que fizeram a direção da novela firmar um contrato com Paulo Emílio, proibindo o boi de ser montado neste período. Todo esse cuidado é para resguardar o animal em torno do qual se desenvolve a trama do núcleo de “Rodeios” da novela. Indagado sobre o valor de Bandido, Paulo Emílio desconversa. “Ele não tem preço e não está à venda”. Mas o preço com certeza ultrapassa os R$ 500 mil. Esta seria uma das propostas que Paulo Emílio recebeu no mercado, e recusou.